quarta-feira, abril 26, 2006

De olho no Irã, lá do alto

A imagem ao lado é a abertura do site Ynetnews do dia 26 de abril, quando Israel lançou ao espaço um satélite espião para, de acordo com o que li cá e lá, vigiar o desenvolvimento nuclear do Irã, a mais séria ameaça que o país tem hoje - muito mais séria do que o Hamas no governo da Autoridade Palestina e os homens-bomba que se explodem em meio a multidões.

Estamos falando, afinal, de um programa nuclear com fins questionáveis, já que o Irã é uma potência produtora de petróleo e não precisa de urânio como fonte de energia, como alega. As loucas declarações do presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad atestam que as intenções do país dele não são as melhores. E, como já vimos em 1991, com o exemplo do Iraque, quem acaba levando a paulada na cabeça é Israel.

Mas o que me chamou a atenção nessa notícia do Yediot Acharonot foi o discurso do ministro de Defesa Shaul Mofaz. Vale reparar que ele foi feito um dia depois de Yom haShoá. Mofaz ter dito que Israel pode contar apenas consigo mesma me fez lembrar do Holocausto e daquilo sobre o que falei no último post, de que se houvesse Israel, talvez não tivesse acontecido a Shoá.

Ninguém sabe, é claro.

Mesmo assim, ouvimos por aqui que embora a data do lançamento do satélite tenha sido fixada por razões técnicas, o fato de coincidir com a Shoá tem um valor simbólico inegável. "Mostra que Israel dispõe hoje de meios para se defender que os judeus não tinham há mais de 60 anos". Palavras de um oficial do governo.

Fato é que Israel lançou aos ares, no bom sentido, um satélite espião com câmeras capazes de identificar objetos de 70 centímetros a uma altura de 480 a 600 quilômetros, o que cheira a tecnologia de ponta a serviço da inteligência militar.

E na Polônia, o velho Shimon Peres deu o recado: "depois de Adolf Hitler, Ahmadinejad é o primeiro homem que se ergue para dizer que o povo judeu deve ser exterminado". Israel, agora, está de olho, lá do alto.

O post vai aos milhares que ainda sofrem as conseqüências do acidente nuclear em Chernobyl, na então União Soviética, atual Ucrânia. Fez 20 anos, ontem.

terça-feira, abril 25, 2006

Holocausto em pauta

Talvez você não soubesse, mas hoje é dia do Holocausto. É quando se relembra, todos os anos, o assassinato de 6 milhões de pessoas pelo regime nazista na Europa, 60 anos atrás, só por serem judeus.

A comemoração é mundial, mas em Israel tem um gosto diferente. Por um dia, quase nada funciona (as lojas param, as escolas se voltam para o tema). Atos em lembrança aos mortos se realizam por todo o país, como o que rolou ontem à noite aqui em Jerusalém.

E em um determinado momento do dia, que eu vou tentar gravar e audiopostar, as pessoas param por alguns minutos e todo o ruído das cidades é substituído por uma sirene.

O mais louco é o que rola na tevê. Durante todo um dia, alguns canais suspendem a programação. Outros passam apenas programas relacionados com o Holocausto - filmes, documentários, programas de debate. O canal 24, espécie de MTv daqui, toca músicas dessas que dão vontade de dormir...

E os políticos, claro, aproveitam. O recém-eleito Rafi "Mr. Magoo" Eitan, do partido dos velhinhos, que foi espião e responsável pela prisão na Argentina de Adolf Eichman, fez um discurso a respeito na Knesset, o primeiro desde que tomou posse.

Yom HaShoá. Confesso que o tema do Holocausto me fala muito mais de longe do que fala a outras pessoas, hoje netos de sobreviventes ou parentes dos que não sobreviveram. Pessach e temas como a perseguição em países árabes me falam muito mais ao coração do que a Shoá. Mesmo assim, me sensibilizo com a memória dessa data.

Bom, vale dizer que Yom haShoá é como uma tempestade depois da qual vem o arco-íris bicolor, chamado por aqui de Yom haAtzmaut, dia da independência. Aos poucos o país vai pendurando bandeiras, amarrando fitas nas mochilas e trocando o preto-e-branco da memória pelo azul-e-branco da alegria de ter hoje um Estado. Reflete comigo: se houvesse Israel há 60 anos, teria existido Holocausto?

[MAIS]
Matérias no Jerusalem Post e no Ha'aretz.

Este post, que não precisa ser fúnebre, vai para um violonista que eu conheci aqui em Jerusalém, no Yad VaShem, o Museu do Holocausto. Foi tocando que ele se salvou da morte em um campo de concentração nazista. E hoje ensina que a memória deve ser guardada, passem quantos 60 anos passarem, para que a história não se repita.
[UPDATE] Dois comentários sobre esse assunto todo. Uma amiga minha francesa, que acabou de voltar de Paris, onde passou Pessach, me comentou hoje que a situação por lá está péssima. Palavras dela: "pior do que antes do nazismo, com manifestações contra Israel e contra judeus por toda parte". Ela falou do Le Pen, que prometeu, se eleito, criar campos de concentração para estrangeiros... E, bem, nunca nos esqueçamos do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que 60 anos depois nega o Holocausto e o direito de Israel de existir.

segunda-feira, abril 24, 2006

Sobreviver à guerra

Ia quase me esquecendo... Fez quatro anos, ontem, que eu vim parar em Israel pela primeira vez. Vim para estudar hebraico em um kibutz, no norte do país, perto de Afula, uma cidade tão pequena quanto pacata, tão parada quanto distante. Me lembro de quando cheguei em Afula, de onde deveria tomar um táxi para o kibutz, 20 minutos de carro dali - e que o taxista, notando como eu estava desengonçado com malas e sem hebraico, me cobrou quatro vezes o valor que eu pagaria depois de passar a conhecer o trajeto.

Enfim, o que eu quero não é contar da viagem, dos seis meses sensacionais que eu passei aqui, das pessoas que conheci e de como foi bom me largar em uma aventura da qual não me arrependo em nada. Quero é contar que dias antes de viajar, numa festa de despedida, rolou entre amigos um caderno que eu trouxe comigo e tenho até hoje. E um cara escreveu uma coisa da qual me lembro sempre, pela poesia e sinceridade dele. Bom, hora de deixar de fazer mistério!

Gabriel,
Sobreviver à guerra não é tão difícil assim. Um bando de gente sobreviveu. O difícil é sobreviver à guerra como fizeram Hemningway, Celine, Cervantes, Jack London. É sobreviver a ela e, além disso, conseguir transformá-la em relatos, narrativas, palavras, notícias - quiçá em poesia. Meu desejo mais sincero não é que você simplesmente sobreviva à guerra. É mais que isso, que você tenha a força e o empenho necessários para transformar essa experiência em algo mais. Retransformar a guerra em poesia. E carregar essa experiência consigo para todo o sempre, ao mesmo tempo que a divide com cada um de nós. Boa viagem.


Passou L'Auberge espagnole hoje aqui na TV. É o filme da minha vida, preciso dizer de novo! Foi bom rever e ler as legendas em hebraico. Saudade da época quando o vi pela primeira vez, também em 2002. Estou precisando ser um pouco Xavier de novo... Estou ansioso para ver a continuação, Les Poupées russes.

Teve um atentado hoje à noite no Egito, na Península do Sinai, com três explosões e pelos números que vi até agora, cerca de 100 vítimas, entre mortos e feridos. Mais no Ynet e na Estadão. Dahab, onde rolaram as explosões, fica a uns 70 quilômetros de Sharm el-Shaikh, onde em julho do ano passado um atentado matou dezenas de pessoas.

domingo, abril 23, 2006

Quanta gente, quanta alegria...!

O atentado da semana passada me fez adiar esse post. Mas não quis deixar de publicar, assim mesmo. Enfim, não quero exagerar, mas o seder de Pessach lá em Haifa foi uma farra, com muita gente e muita, mas muita comida. E foi muito divertido!

Semanas atrás, no meio da febre de cartões de Pessach e de emails desejando chag sameach, recebi um muito engraçado. Parecia ser redigido por uma criança contando como via o seder bagunçado de Pessach. Bom, não deixei de pensar no email durante o jantar em família no norte do país...

Por isso, tomo a liberdade de reproduzir aqui alguns trechos do email, com tradução livre minha (o original veio em espanhol).

Pessach ou peissach?
Quando eu era criança, pensava que Peissach e Pessach eram duas festas diferentes, cuja comemoração coincidia no tempo: enquanto na sinagoga se festejava Pessach, na minha casa comemorávamos Peissach.

Ao ver minha avó cozinhando, me perguntava se ela o fazia daquela maneira para recordar como os judeus trabalhavam quando eram escravos no Egito.

Eu tinha um tio que às vezes chegava tarde ao seder, porque sempre apareciam "clientes de última hora" em sua loja. Um outro tio sempre brincava que se fosse por ele, os judeus ainda estariam no Egito, e Moshe Rabeinu estaria pedindo que ele se apressasse com o último cliente. Outro tio chamávamos de Eliahu Hanavi, porque quando ninguém estava olhando, tomava umas e outras.

Sempre que minha avó servia alguma coisa, perguntava "gostou, goustou?" Meus primos e eu imaginávamos que se tratava de uma tradição de Peissach. E que Moisés sempre fazia a mesma pergunta quando os judeus comiam...

No seder sempre havia muitos tios. Eram os meus tios, os tios dos meus pais, tios da família em geral e tios que ninguém sabia exatamente de quem eram tios... Depois que alguém entrava na família na categoria "tio", ninguém mais tirava o título.

A vovó servia a comida a toda aquela gente e depois perguntava a todos: "corto mais um pedacinho?" A pergunta não caía bem entre os garotos... Ela calculava a quantidade de comida para mais ou menos a mesma quantidade de judeus que saíram do Egito. Quando ninguém agüentava mais, ela vinha com mais e mais pratos...

E assim, também, foi o nosso seder, com crianças (inclusive meu irmão, de 4 anos) correndo atrás do afikoman, comida e mais comida, leitura apressada da hagadá para começar a comer logo e aquela sensação de saciedade que chegou antes do fim dos pratos, bem antes da sobremesa e do cafezinho, aquele papo de família (com o detalhe de que não conhecia ninguém lá!) e uma sensação gostosa de que, afinal, tenho parentes nessa terra oriental!
Publiquei meu primeiro parágrafo único, aqui.

Tem uma foto do seder no meu flog, aqui.

sexta-feira, abril 21, 2006

Chefetz chashud!

Um tanque para explosão controlada de objetos suspeitos. Isso é o que aparece na imagem do post O que é, o que é do domingo passado. Alguém até deu o palpite correto, lá nos comentários, mas esqueceu de assinar! Uma coisa muito comum aqui em Israel, mais comum do que gostaríamos, é o que se conhece por chefetz chashud, objeto suspeito.

Sempre que alguém esquece, propositadamente ou não, algum objeto na rua e a polícia o considera suspeito, a cena que se segue é quase hollywoodiana. Viaturas estacionadas na diagonal cortam o fluxo do trânsito. Policiais afastam as pessoas da área, geralmente aos gritos. O esquadrão anti-bombas chega rápido.

E um policial do esquadrão, vestido para explodir, se aproxima do objeto (ou usa um robô equipado com câmera) e analisa como vai detonar o artefato. Minutos depois, bum! Nem sinal do negócio.

Tem uma história do jornalista Nahum Sirotsky segundo a qual ele carregava certa vez uma máquina de escrever, pesadona, e a deixou no meio da rua para pedir ajuda. Quando voltou, tinha sido explodida... O Nahum, que vive em Tel Aviv, foi tema do meu trabalho de conclusão de curso na faculdade em 2004.

[Desafio "onde está Wally?"] Você consegue achar policiais do esquadrão anti-bombas (chablanim) correndo para inspecionar uma maleta suspeita nesta imagem?

Chegou a sexta-feira, que, como todas as sextas, promete ser tranqüila. No final das contas Israel decidiu nem atacar os palestinos em resposta ao atentado que, como o premiê disse hoje, foi encomendado pela Síria...

terça-feira, abril 18, 2006

Humanizando 17 de abril, Tel Aviv

(Porque um atentado não é apenas um punhado de números)

Atentado é assim: uma bomba/ um suicida/ um carro explode/ se explode. A notícia acontece. Tocam os celulares. Todo mundo quer saber se o amigo/ parente/ namorado/ etc está bem. Mas bloqueiam os celulares, em geral, quando algo explode/ se explode. Questão de segurança. No local da explosão, ambulâncias/ paramédicos/ gente cujo trabalho é recolher os pedaços espalhados dos corpos humanos. Repórteres/ fotógrafos/ muitos curiosos. E policiais, muitos. Soldados armados até os dentes, muitos e em posições estratégicas (quem sabe se há outro terrorista por ali?) Todos juntos, muitos correndo, alguns apavorados, vários assustados, uns em choque. Muito ruído. Sangue pelo chão/ nas paredes/ nos carros...

Mas há histórias pessoais, como a de Philip Balhasan z"l, que levou dois dos quatro filhos a Tel Aviv, ontem, para comprar para eles presentes de Pessach. Antes de morrer, vítima de fragmentos da bomba que atingiram seu coração, já caído chegou a abraçar os filhos (de 12 e 15 anos) muito forte e gritar a um deles que pegasse o celular e avisasse a mãe sobre o atentado.

Ou a de Ludmila Shaulov, de tantos vinte e sete anos quanto os meus. Em seu nôno mês de gestação, correu para o hospital horas antes da explosão terrorista porque sentiu que estava a ponto de dar à luz. Ao saber do atentado, tentou ligar para o marido, David z"l, que estava em horário de almoço, ali na antiga estação central de Tel Aviv, talvez devorando um falafel, mas ele não atendeu.

E muitas outras histórias, como as dos que deixaram de ir/ testemunharam/ sobreviveram a guerras para morrer numa explosão besta/ fundamentalista, num momento corriqueiro.

Nomes, apenas. Histórias, apenas.

Este post de dia seguinte, que não tem breaking news, é dedicado aos nove mortos e suas famílias. E aos que sobreviveram, mas aos pedaços, ao atentado de ontem em Tel Aviv. Não chegaram até o final de Pessach como mereciam.

Falei naRFI sobre as reações ao atentado, aqui.

segunda-feira, abril 17, 2006

['breaking news']
Atentado em Tel Aviv

Acabou de acontecer um atentado em Tel Aviv, na antiga estação central de ônibus. Já há informações, de acordo com Magen David Adom (serviços de resgate) de que há ao menos seis mortos e mais de 50 feridos. Leia no Ha'aretz e no BBC News entre outras.

E hoje o novo Parlamento, de número 17, eleito no dia 28 de março, toma posse. Leia no Ynet e na Folha Online, entre outros.

Para ver tudo isso ao vivo, aqui.

[UPDATE] Humanizando o atentado, aqui.

domingo, abril 16, 2006

O que é, o que é?

Da série "coisas que você só vai ver por aqui". De vez em quando vou colocar alguma foto bizarra de coisas que só existem nesse canto do mundo. Para começar, essa. Mas não vou contar o que é ainda - será que você consegue adivinhar? Palpites nos comentários, resultado no fim da semana.

Duas dicas: 1. tirei a foto perto do Muro das Lamentações. 2. mensagem que recebi hoje de manhã pelo celular:
82 terror alerts including 17 specific, concrete warnings


[ORKUT] Outras fotos da série de coisas bizarras de Israel na comunidade do blog no orkut.

Em tempo, uma notícia bizarra e inacreditável: um terrorista das Brigadas dos Mártires de Al Aqsa, grupo armado da Jihad Islâmica, procurado pelo Exército israelense, se abrigou em um hospital de Tel Aviv, com documentos falsos. Como é sabido, Israel tem medicina de ponta (eu estou doente por pura falta de cuidado, mesmo!) e até os terroristas querem ter tratamento por aqui. Quase funcionou, o cara foi desmascarado. Melhorando, vai sair dessa para a prisão, no mínimo. Aqui.

Ah... Feliz Páscoa!

quarta-feira, abril 12, 2006

Ma nishtaná...?

Está chegando Pessach, chamado por aqui de chag aviv, festa da primavera (afinal, a data marca a entrada da estação - que começou no sábado passado - e o fim das chuvas, que não vão aparecer até o final do ano, quando o inverno volta).

Em duas linhas, Pessach relembra a saída dos judeus do Egito, da escravidão. É, portanto, um chag comemorativo. Todos os anos dizemos "no ano que vem em Jerusalém". Poucos realizam. Uma amiga minha de Haifa me mandou esses dias uma mensagem pelo celular que dizia assim:
IT'S FUNNY YOU ARE COMING TO HAIFA ON LEIL HASEDER, WHEN WE SAY "LESHANA HABAA BEYERUSHALAIM"!
É que vou para a cidade dela, no norte do país, passar o seder com o meu pai e pessoas que ainda não conheço, da família Soriano, do lado do meu avô z"l. Histórias na volta. Fotos idem.

O que eu mais gosto nesse negócio de estar no Estado judeu em datas como Pessach é sentir o clima do feriado no ar. Como existem produtos especiais para a data, que não levam fermento (não se come pão nem nada fermentado nesses dias), vemos na televisão propagandas de produtos kasher lePessach.

Além disso, as pessoas na rua se saúdam (Pessach kasher vesameach!). As escolas e universidades de todo o país estão em férias por duas semanas. Nos supermercados, as prateleiras com pães e outras coisas proibidas ficam cobertas...

Na noite do seder (hoje à noite) se faz a pergunta ma nishtaná, halaila hazê, mi kol haleilot (o que diferencia essa noite de todas as noites). Minha resposta é outra daquela dada na canção que toda criança israelense sabe entoar. É o primeiro seder que passarei em família em Israel!

Bom, pra ninguém dizer que este é um post sério-judaico, vai aí um vídeo bem-humorado que achei no YouTube sobre a limpeza de chametz (fermento) e um cartão de Pessach diferente! Quem ainda quiser mandar cartões pode usar os daqui ou daqui! Chag aviv sameach a todos. Feliz Páscoa, também.



Post dedicado aos Touegs, Sorianos e a todos os judeus egípcios que há exatos 50 anos, em 1956, repetiram a saída do Egito, expulsos pelo regime ditatorial da época. Meu avô z"l e meu pai estavam entre eles. Leshana habaa beYerushalaim!

segunda-feira, abril 10, 2006

O tal do 6o sentido...

And I say 'hey, hey, hey, hey... Hey, hey, hey... I say hey! What's going on?'

Tem uma coisa com a qual eu não brinco: pressentimento. Por isso, quando acho que não devo fazer uma coisa, não faço mesmo, nem que para isso tenha que pagar um preço alto. Depois de doar sangue hoje, fui pegar o ônibus pra voltar pra casa.

Encontrei a seguinte situação na parada: a. uma garota, muito estranha, andava nervosa de um lado pra outro e sempre que o celular dela tocava, ela se afastava das pessoas; b. não havia nenhum carinha da segurança por lá.

C. uma mulher chegou perto de mim e disse assim: "O 7 está demorando muito... Mas eu sei a razão". Depois da minha pergunta óbvia, ela apóia os óculos gigantes no nariz, franzindo a testa, e responde que não vai dizer qual é...

OK. Peguei o caminho de casa a pé. Graças a D-s não aconteceu nada. Mas eu me lembrei da mensagem que recebi ontem de manhã (e que recebo todas as manhãs):

70 alertas de segurança, 11 concretos

Fui caminhando mesmo, na dúvida. Cansou, sim, mas pelo menos tirei algumas fotos da Beit Knesset haGadol beYerushalaim no caminho!

E pra quem pensa que é moleza chegar aqui e encarar o medo de terrorismo, um conto real. Quando eu estava nos meus primeiros meses, não deixava de pegar ônibus, mas sempre viajava perto da porta de trás. Se via alguém suspeito na parada, descia. O tal do pressentimento...

sexta-feira, abril 07, 2006

Jantar de shabat*

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Entre amigos é mais gostoso! E para provar, mostro - nem que seja com um áudio cheio de gente tímida e "sem graça"! Valeu, gente. Shabat shalom.

quinta-feira, abril 06, 2006

Toma lá, dá cá (aqui também)

As pessoas têm me perguntado o que eu achei do resultado das votações aqui em Israel, as primeiras das quais participei como eleitor, como eu contei no blog azul. Como política é um jogo de toma lá, dá cá, fica difícil dizer simplesmente se "gostei" ou "não gostei" do resultado.

Confesso que ainda estou sob efeito desagradável da surpresa que foi o Olmert, do Kadima, partido vencedor, com 29 das 120 cadeiras, dar ao Partido Trabalhista a pasta da Defesa, uma das mais importantes em Israel, senão a mais crucial, por motivos óbvio-ululantes. Esperava-se que o Avodá, de esquerda, social, ficasse com Educação ou Economia.

Acredito que antes de dizer o que eu achei do resultado, vale comentar, como eu fiz na RFI, o que achei da campanha e do período pré-urna. Morno. Nunca houve, na curta história do país, tanta ausência no dia de votar - apenas 68,9% dos eleitores compareceram (em 1948 foram 86,9%). São eleições especiais e importantes, contudo.

A campanha, ela mesma, foi sem grandes emoções. Quando eu estava aqui no inverno de 2003, e o país se preparava para eleger o Likud de Sharon, as coisas foram bem diferentes, havia clima de política e de concorrência real no ar. Dessa vez a campanha se resumiu a simples acusações entre os partidos e a adesivos (sempre eles) no mesmo tom.

Então, os resultados. O Kadima ("adiante") venceu com 29 dos 120 mandatos, bem menos do que se acreditava que teria. Mesmo assim, comentaristas por aqui elogiaram o partido, por ter surgido há apenas quatro meses "do nada", e chegar a vitorioso. Discordo: o Kadima surgiu de Sharon, forte desde o berço - e soube sobreviver sem o pai. Foi criado pelo premiê em um golpe de mestre, ao perceber que a população se movia para o centro no mapa político.

A vitória era tão certa que muita gente que ia votar no Kadima desistiu na última hora, escolhendo o Avodá (19/120) só para enfraquecer o Likud (12/120), o que funcionou. A mesma estratégia de daká tishim, (minuto 90, como se diz por aqui) foi adotada pelo Partido dos Aposentados (7/120), a grande revelação das eleições da 17a Knesset.

Os velhinhos entenderam que o eleitorado tinha um sentimento de desconfiança com relação aos políticos. Como as pesquisas indicavam um alto índice de abstenção e de votos em branco, a estratégia deles foi convocar os indecisos a não desperdiçar o direito, e escolher a lista dos pensionistas, ainda que em sinal de protesto. Deu certo.

Enfim... Quando eu estava no Brasil, em fevereiro, participei de um debate sobre as eleições. Uma garota perguntou como o Kadima conseguiria governar, em uma coalizão, estando tão distante dos extremos. Naquela época se acreditava que a vitória do partido de Sharon/ Olmert ia ser com mais vantagem do que foi. O historiador Jairo Gawendo respondeu bem: na base do troca-troca.

Afinal, também aqui vale o toma lá, dá cá. É o que estamos vendo e o que vamos ver nos próximos dias com a formação do governo. Aí, então, poderei dizer se gostei ou não! Enquanto, isso, vale a pena ler o editorial do Ha'aretz desses dias, The people have spoken. E esperar.

Post dedicado às pessoas que, em conversas pelo MSN ou no orkut, perguntaram minha visão sobre os resultados! Deu pra ter uma idéia? E a Marcos Wasserman, por ajudar a esclarecer algumas idéias sobre os velhinhos do Partido dos Aposentados.

quarta-feira, abril 05, 2006

Devolvendo as máscaras

Deu ontem no Jerusalem Post que a população deve começar a se preparar para devolver as máscaras de gás que têm, provavelmente empoeiradas em algum lugar da casa. Quando eu cheguei aqui, em 2002, pela primeira vez, ainda como turista, vi os novos imigrantes receberem as máscaras com o aviso de não abrir a caixa com o kit antes de algum aviso pela imprensa. Lembro que fiquei com medo, porque não recebi a máscara - ela só é dada a turistas em caso de guerra. O aviso nunca veio, claro, porque não houve guerra - naquela época ainda havia o temor de que Israel levaria algumas porradas por conta da invasão do Iraque pelos Estados Unidos.

"QUEREMOS RECOLETAR AS MÁSCARAS, CONSERTÁ-LAS E DEPOIS DEVOLVÊ-LAS À POPULAÇÃO", Itzik Bloch, funcionário do Ministério da Defesa

Quando cheguei em Israel como imigrante, em julho de 2004, o cenário era outro. Eu esperava receber a máscara, mas a caixa de papelão lacrada nunca veio. Até recebemos orientações de como fazer para retirar a máscara em centros de distribuição espalhados pelo país, mas nunca fomos atrás, ninguém foi - simplesmente não precisava. O regime ditatorial no Iraque já estava derrubado e a ameaça que se acreditava existir tinha virado piada.

Ainda que tivéssemos ido buscar, e a matéria do JPost fala disso, as máscaras distribuídas naquela ocasião hoje já não podem ser consideradas como proteção contra nada. É como os abrigos anti-aéreos de Israel: a maioria, dos prédios antigos (e tudo é antigo por aqui!) não serve mais para proteger os israelenses da verdadeira ameaça - armas químicas e biológicas.

Mas, segundo uma fonte do jornal no Exército, no momento não existem ameaças que justifiquem ter em casa uma máscara. Ele deve ter se esquecido do Irã. E deve ter ignorado uma nota que eu, apertando os olhos para ler hebraico, vi hoje de manhã num jornal para novos imigrantes. Diz assim, numa tradução livre:

Ministro de Exterior palestino: não há lugar para Israel
O ministro de Exterior palestino e número 2 na AP, Mahmud A-Zahar, sugeriu a retirada de Israel do mapa. "No lugar de Israel, deve existir um país muçulmano no qual convivam muçulmanos, judeus e cristãos", disse ainda A-Zahar.

Pois que venham as máscaras...

terça-feira, abril 04, 2006

Indo para o trabalho*

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Foi só questão de tempo

Já faz mais de dois meses que Ariel Sharon, que saiu do Likud no ano passado e fundou o Kadima, partido vencedor nas eleições da semana passada, foi internado no hospital Hadassa, aqui em Jerusalém, depois de um derrame. Desde então a população aqui em Israel se comoveu e acompanhou de perto o drama do premiê, conhecido pela truculência e que encarava, como a imprensa daqui chegou a escrever, sua última batalha.

Desde então, as notícias sobre o estado de saúde de Sharon esfriaram. Nem mesmo a presença de tantos jornalistas (fala-se em 600 a mais), atraídos pelo agravamento da saúde do premiê, conseguiu manter o tema na pauta dos veículos que acompanham de perto o Oriente Médio. E aí tudo passou dos concretos boletins médicos transmitidos diariamente à imprensa pelo diretor do hospital às especulações.

Sem saber o que exatamente estava acontecendo no hospital, as pessoas começaram a especular sobre quanto tempo levaria para que Sharon fosse declarado morto - uma espécie de Tancredo Neves do Oriente Médio. Afinal, o período de dois meses e meio entre a internação do premiê e as eleições foi crítico e uma eventual notícia de sua morte ou incapacidade poderia prejudicar o Kadima e mudar totalmente o resultado das votações.

Até piada surgiu - uma de muito mal gosto dizia que Sharon seria declarado ministro da Agricultura em um novo governo, já que ele estava vegetando...

E aí, foi questão de tempo até que se declarasse o que os israelenses não queriam acreditar, mas algo que pouca dúvida deixava: Sharon está permanentemente incapacitado. O jornal Yediot Acharonot ("últimas notícias") deu a informação - que, vale dizer, não significa que Sharon está morto, apenas que não poderá exercer nenhuma função ao sair - se sair - do leito do hospital.

O gabinete israelense vai declarar oficialmente o novo estado de Sharon no encontro dominical da próxima semana. Na prática, o que se vai fazer é mudar a condição do premiê de "temporariamente incapacitado" para "permanente incapacitado".


Notícias de que pouco se fala
Deu hoje no Yediot Acharonot que estudantes israelenses juntaram 20 mil shekels (uns $5 mil) para realizar o sonho de uma criança com câncer: conhecer os bombeiros que participaram dos resgates no 11 de setembro.

Hello, this is Ben calling...

Vamos lá. Estou agora no trabalho, são 4 e meia da manhã e, entre uma ligação e outra, resolvi que quero contar aqui sobre... o trabalho. Faço telemarketing, algo odioso se pensarmos na realidade cultural brasileira, mas um pouco menos aqui em Israel e super comum e aceitável nos EUA. Por isso, e também porque o CEO da minha empresa não é nada bobo, abriram uma filial da IDT em Israel. Existe uma lenda segundo a qual o dono da companhia é judeu e procura ajudar os olim chadashim, novos imigrantes que chegam aqui de países de fala inglesa. Pode ser verdade, mas não boto minha mão no fogo por essa versão.

Fato é que a empresa, que ocupa seis andares em uma zona industrial de Jerusalém, bem próxima à Begin, uma espécie de 23 de maio daqui, cresceu bastante desde que chegou no país. Emprega um número enorme de pessoas, a maioria dos Estados Unidos e de países onde o inglês é a língua oficial. Mas existem funcionários (como eu, como a argentina que trabalha ao meu lado e como muitos israelenses) que vêm de outros países - no entanto, a maioria dos projetos é em inglês mesmo. E há projetos em quatro turnos, porque não operamos apenas com os EUA (o que exige trabalhar nos horários deles).

HELLO, THIS IS BEN CALLING ON BEHALF OF KNOWLEDGE NETWORKS IN CRANFORD, NJ. RECENTLY WE SENT YOUR HOME A CARD ABOUT OUR SURVEY WITH A $1.00 GIFT. BUT FIRST, ARE YOU A RESIDENT OF THIS HOUSEHOLD?

No meu projeto o que fazemos é basicamente ligar para residências nos EUA e perguntar às pessoas (àquelas que concordam em falar conosco!) sobre o uso dos diretórios telefônicos. Não vendemos nada, e isso é uma vantagem. Na verdade, como se lê na fala inicial, enviamos às casas um cartão com um dólar para que elas saibam que ligaremos. Mesmo assim, na maioria das vezes tomamos um tu-tu-tu na cara (isso na melhor das hipóteses, porque há os mau-humorados de plantão...) Isso durante sete horas por noite, seis madrugadas por semana.

Outro dia, já faz um tempinho, estava dormindo quando o telefone tocou. Em geral não atendo ligações de números desconhecidos, mas sabe-se lá porque naquele dia resolvi responder. E, que surpresa, era uma garotinha fazendo uma pesquisa - em hebraico - sobre algum serviço que eu tinha adquirido dias antes. Sonado, respondi cada uma das perguntas, ainda que só tenha entendido metade. Não podia desligar, né?!

segunda-feira, abril 03, 2006

Vigésima terceira idade?

"Duas estradas divergiam em um bosque e eu
segui pela menos usada. Isso fez toda a diferença"
Robert Frost


Quando visitei Israel pela primeira vez, tinha 23 anos. Passei seis meses aqui, conheci gente, aprendi um pouco de hebraico, passeei por quase todo o país, conversei com árabes e israelenses, melhorei meu inglês, quase entrevistei Ariel Sharon, namorei uma argentina e uma americana, não vi chuva, trabalhei como jardineiro em um kibutz, plantei minha primeira árvore e muitas outras árvores, cheguei perto do Líbano, perto da Síria, perto da Jordânia e perto do Egito.

Hoje, quatro anos depois, reinauguro minha vigésima terceira idade para contar o que mudou no meu olhar e no meu pensar desde que eu apareci pela primeira vez aqui como turista até hoje, que moro aqui, trabalho como jornalista, participo da história e narro os acontecimentos (nem que seja do meu ponto de vista de um brasileiro perdido em Israel). Quatro anos depois, de novo minha vigésima terceira idade.

Preciso mencionar Tutty Vasques e dizer que, como ele contou lá no NoMínimo, tampouco eu escrevo rindo, como todos os mortais escrevinhadores. "A página em branco, o suor frio, a hora do fechamento que se avizinha, a abstinência de nicotina, o risco de ser óbvio, bobo ou completamente desinteressante, enfim, escrever é um horror que não passa nunca".