terça-feira, junho 27, 2006

"Seqüestraram um soldado"

O seqüestro de um soldado israelense no último domingo trouxe a Israel a lembrança amarga do incidente que ocorreu há vinte anos e ainda não tem nenhuma resolução. O capitão israelense Ron Arad (na foto), que foi seqüestrado no Líbano em 1986, hoje dá nome a ruas, a auditórios, a pavilhões em universidades em Israel e no mundo judaico...

Já se vão duas décadas e até o momento nenhuma notícia concreta sobre o paradeiro daquele jovem que deixou mulher e filha. Nem se está morto, nem onde está sendo mantido, se vivo. Uma recompensa de 10 milhões de dólares foi oferecida por informações que levem a ele. Nada.

Vinte anos depois, as manchetes estamparam nesta semana que um soldado foi seqüestrado. Outro, mais um, o primeiro em 12 anos. Ainda com o gosto amargo pela abdução de Arad, Israel resolveu atacar a Faixa de Gaza. Voltamos à bola de neve da violência no Oriente Médio.

A escalada de violência acontece em um momento que pode ser importante para a região: grupos representados de um lado pelo Hamas e de outro pela Fatah assinaram um documento que prevê o estabelecimento de um Estado palestino ao lado de Israel.

Embora seja visto com muito ceticismo em Israel, o acordo pode significar o primeiro reconhecimento oficial do Hamas ao direito de existência do Estado judeu.

Mas, diante de uma situação como essa, política e acordos não importam tanto. Israel prende a respiração e aguarda notícias sobre o soldado seqüestrado, um menino de 19 anos que está nas mãos de terroristas. O país, que ainda se lembra do amargo de Ron Arad, espera não sentir esse gosto mais uma vez.

[PARA OUVIR] Falei a respeito do seqüestro do soldado e das reações na Radio France Internationale no dia 27, ontem e hoje. Outras entradas minhas na RFI aqui.
[BASTIDORES] No Blog do Bean tem uns comentários de bastidores sobre um dos dias em que transmiti para a RFI. Quando eu estive no Brasil, em janeiro, ele - que é meu flatmate - esteve no meu lugar como correspondente para a rádio francesa.
[MAIS] Canal especial sobre o seqüestro do soldado israelense Gilad Shalit no YNet News, aqui e sobre os ataques à Faixa de Gaza, em resposta, no Ha'aretz , aqui.

sexta-feira, junho 23, 2006

Fundamentalismo preconceituoso

If gays will dare approach Temple Mount
during parade – they will do so over our dead bodies

Ibrahim Sarsur, deputado árabe

'The feeling is that Jews disgrace Jerusalem's
holiness with the government's encouragement
'
rabino israelense


Está na capa do YNet News de hoje: judeus e árabes juntos contra gays, aqui. Confesso que senti uma mistura de alívio (judeus e árabes unidos por uma causa?) e desprezo. De novo, o fundamentalismo dá as caras, dessa vez na faceta preconceituosa contra os homossexuais.

Para quem não sabe, estão agitando para daqui a dois meses uma parada gay em Jerusalém, que certamente vai ser bem menor que a que rolou recentemente em São Paulo. Os ortodoxos - dos dois lados, como mostra a matéria do YNet News - são contra.

Não é novidade. No ano passado a parada em Jerusalém, a primeira realizada na capital, acabou mal. Um judeu ortodoxo esfaqueou um dos 4 mil participantes da marcha colorida, que parou o trânsito e estampou manchetes.

A coisa é bem diferente do que rola em Tel Aviv, onde a sociedade é bem mais liberal. Parecem dois mundos, separados por apenas 45 minutos e por pelo menos duas linhas de ônibus freqüentes.

Mas o que me deu mais bronca foi outra declaração do mesmo deputado árabe que eu coloquei lá no alto. Para ele, o "ataque" da parada gay contra a "identidade dos jovens árabes da cidade" é "mais feroz do que o ataque sionista para judaizar Jerusalém".

Tomara todos os nossos problemas fossem a "ameaça gay".

Estou indo para Tel Aviv passar o dia.

[NO GRAMADO] E por falar em polêmica e Israel, mais uma, agora com a Copa: um jogador do time de Gana (que vai enfrentar o Brasil na terça) mostrou em um jogo, depois dos dois gols que marcou, a bandeira israelense. É que ele joga aqui, quis fazer uma espécie de agradecimento e homenagem. Se deu mal. Teve que pedir desculpas oficialmente por poder ter ofendido alguém. Absurdo... O Bean conta mais no blog dele, aqui.

quinta-feira, junho 15, 2006

Amigo é pra essas coisas...

Parece piada em se tratando do país no qual mais pessoas morreram na história recente vítimas de terror. Mas é verdade: morre-se mais em Israel em acidentes de trânsito do que em atentados terroristas.

Todo dia há notícias de acidentes, com imagens e números chocantes... Da mesma forma que falam da previsão do tempo, falam em quantos se arrebentaram nas estradas.

E não acontece só no noticiário. No feriado de independência eu estava com o carro do meu pai e fui para uma rave em Tel Aviv (sim, eu numa rave). Na volta, dirigindo pela estrada em direção a Netania, onde ele mora, estava meio aflito porque estava bem cansado, pescando no volante, e de repente vi dois carros arrebentados no caminho.

É... Os israelenses têm uma capacidade incrível de detonar os carros e provocar acidentes hollywoodianos, mesmo dirigindo carros modernos em estradas-tapete, perfeitas, que são recapeadas e repintadas a cada poucos meses. Fora que não são muito mestres em cuidar dos carros, que vivem sujos, riscados. Vai entender...

Bom, o resultado de estatísticas tão tristes não poderia ser outro: campanhas e mais campanhas pela conscientização ao dirigir. Uma delas, que está no ar na rádio Galgalatz, provavelmente uma das mais ouvidas daqui, fala do famoso "amigo da vez", o escolhido da noite para dirigir e não beber, e trazer os amigos de volta para casa seguros.

O conceito, também usado no Brasil, é o mote da campanha Im shotim lo nohagim, bishvil ze iesh chaverim. A frase tem sentido duplo em hebraico. A palavra shotim, dependendo de como é grafada, significa "bebem" ou "idiotas". Im idem - pode ser "se", pode ser "com". Ou seja: "com idiotas não se anda", "se beber não se viaja" (também nohagim tem sentido que cabe nas duas versões).

domingo, junho 11, 2006

O caro pacote da Copa

A bola já está rolando nos gramados da Alemanha e por aqui em Israel o que rola é uma polêmica: quem pode ver os jogos. Tudo isso porque uma TV comprou os direitos e fez um pacote, que custa mais de 100 dólares, para transmitir os jogos. Significa que além da assinatura dos serviços de cabo, os israelenses teriam que pagar um adicional.

Se fosse no Brasil, isso seria razão suficiente para um quebra-quebra, uma revolução civil! Mas como Israel não é, nem de longe, o país do futebol, apesar de ter estado bem perto da classificação e de poder participar pela segunda vez de um "mundial", o máximo que rolou aqui foi um boicote e uma petição. O resultado: "apenas" 38 mil pessoas assinaram o serviço.

A partida inicial, entre os alemães e a Costa Rica, rolou num canal aberto. A segunda, na qual o Equador lavou a Polônia, diminuindo minhas chances no bolão do qual estou participando, só viu ao vivo quem pagou os 100 dólares! Eu vi porque uns amigos compraram o caro pacote da Copa... Na terça-feira, estréia do Brasil, as TVs vão transmitir o jogo, contra a Croácia. Mas não vou estar diante da TV - vai rolar festinha brasileira num bar aqui, com direito a telão e cerveja!

E não quero nem saber. Adotei a campanha do Batendo Bola, e para mim, dia de jogo do Brasil é feriado, mesmo em Israel! Vou sair pro bar enrolado na minha bandeira gigante, com camisa canarinho... Enfim, o espírito é o do vídeo abaixo!



Enfim, minha torcida é mesmo pela Costa do Marfim!

[MAIS]
Especial BBC Copa do Mundo, em português.

quarta-feira, junho 07, 2006

Uma dura entrevista

Não gosto de postar aqui duas vezes tão próximas, mas me vi na quase obrigação de fazer isso depois de ler a entrevista publicada pela Der Spiegel, da Alemanha, com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad (na foto ele aparece em discurso na Assembléia Geral da ONU, em setembro).
Enquanto a maioria da mídia parece ter medo de fazer as perguntas certas e de colocar ditadores contra a parede, a revista alemã foi a Teerã e fez isso. A entrevista, que virou um bate-papo duro com Ahmadinejad, é excelente. O presidente do Irã tenta virar a mesa em diversos momentos fazendo perguntas retóricas aos repórteres, que não deixam barato e rebatem à altura.

SPIEGEL: Mr. President, we're talking about the Holocaust because we want to talk about the possible nuclear armament of Iran -- which is why the West sees you as a threat.

Ahmadinejad
: Some groups in the West enjoy calling things or people a threat. Of course you're free to make your own judgment.

SPIEGEL
: The key question is: Do you want nuclear weapons for your country?

Ahmadinejad
: Allow me to encourage a discussion on the following question: How long do you think the world can be governed by the rhetoric of a handful of Western powers? Whenever they hold something against someone, they start spreading propaganda and lies, defamation and blackmail. How much longer can that go on?

A entrevista tem um valor muito grande, por ter sido feita por uma revista alemã, país que vai sediar a Copa 2006 (que começa sexta-feira, já). Vale lembrar que o Irã quase foi riscado dos jogos por conta das declarações do presidente sobre o Holocausto e sobre Israel.

A entrevista aparece poucos meses depois de o presidente iraniano ter colocado em dúvida o Holocausto. Em diversos pontos da entrevista, em inglês, Ahmadinejad tenta argumentar que se a Alemanha é responsável - legal ou moralmente - pelo Holocausto, o Estado de Israel deveria ser instalado na Europa.

Enfim, um must-read.

[MAIS]
Na mesma Der Spiegel, especial sobre Oriente Médio, com notícias e análises sobre a região em inglês.

terça-feira, junho 06, 2006

A seguir escenas del próximo capítulo...

Não é à toa que em Israel se falam tantos idiomas, e tão bem, e mesmo por gente que não tem pais ou avós de determinado país. Outro dia encontrei uma russa que trabalha em um fast food de comida chinesa e fala português bem demais para alguém que não tem pais brasileiros. Ela não tem. Tem é o hábito de ver novelas brasileiras, o que a ajudou a aprender o idioma. Bom, é o que ela diz...

Espanhol, muito mais comum nos canais Viva ou Viva Platina, onde a maioria das novelas é argentina ou mexicana mesmo, é fácil de achar pelas ruas, não apenas falantes, mas entendedores, e bom entendedores - afinal, há muitos olim chadashim de países de fala hispana. Fica até arriscado falar em espanhol no ônibus se você não quiser que ninguém te entenda além do seu interlocutor. E há sempre a chance de ouvir a pergunta:
Eize safá atem medabrim? Que língua vocês estão falando?
É... Israel não é o país das dublagens, definitivamente. Qualquer programa em qualquer idioma e em qualquer canal de televisão (menos os russos...) é legendado - filmes, novelas, documentários, programas eróticos... Mantém-se o original com suas qualidades e defeitos. E o povo aprende outros idiomas.

Isso, claro, sem contar que é um ótimo exercício para quem está aprendendo o hebraico. Em casa, por exemplo, é programa quase religioso sentar diante da televisão, todas as tardes, às 18h47, e ver Celebridade. Não apenas porque Celebridade é a única novela que presta, e nem tanto porque é oportunidade de escutar português e ver paisagens maravilhosas do Rio...

Mas muito porque podemos ler as legendas - e em geral morrer de dar risada com as traduções... Duro mesmo é ver no final de cada parte as "escenas del próximo capítulo"...

Do Blog do Bean, imagens da novela captadas na televisão, aqui.

quinta-feira, junho 01, 2006

Horários de shabat

Mais uma da série "coisas que só em Israel", essa foto. Acho que é algo exclusivo de Jerusalém, não me lembro de ter visto em nenhuma outra cidade por aqui (vale lembrar que a capital tem muitos judeus ortodoxos, o que aliás faz da cidade uma das mais pobres do país na estatística, já que eles não trabalham e na conta, a renda per capita é menor).

O negócio é o seguinte: alguém afixa esses avisos nas paradas de ônibus, semana após semana, informando o horário de começo (para o acendimento das velas) e de fim do shabat, o trecho semanal da Torá (parashat hashavua) e outras informações úteis para quem é ortodoxo e para quem não é (afinal, os serviços, como os ônibus, páram na tarde da sexta-feira e voltam só no sábado à noite - outra coisa que só em Israel, mesmo).

Hoje não é sexta-feira, mas é erev chag, o que significa véspera de feriado (amanhã é Shavuot). Na prática, é como se fosse manhã de sexta-feira: o shuk (mercado livre) começa a funcionar mais cedo, as pessoas caminham num ritmo mais acelerado porque o dia é mais curto, os ônibus páram de circular ao anoitecer, barraquinhas são montadas pelas ruas para vender flores etc. E, ah, eu não trabalho à noite!

Algumas palavras sobre Shavuot: é uma das festas mais importante do calendário judaico, ao lado de Pessach e de Sucot. Nesse dia, que vem "uma semana de semanas" (49 dias) depois de Pessach, se celebra a entrega das tábuas da lei, a Torá, ao povo judeu no monte Sinai, e também o transporte ao Templo dos primeiros frutos da colheita de cereais.

[Clique na foto para ampliar e poder ler o que aparece no papel!]