sexta-feira, janeiro 26, 2007

Em brancas nuvens

O presidente do Irã e eu temos algo em comum. Nós dois gostaríamos de acreditar que o Holocausto não aconteceu. A diferença é que ele consegue. Eu, não. E se tantas provas, depoimentos, filmes, histórias, museus, e infinitas menções ao assunto não bastassem, os números tatuados no braço de idosos que tiveram a sorte parcial de saírem vivos do Holocausto seriam sozinhos suficientes para criar essa diferença.

Ontem, 25 de janeiro, foi o primeiro Dia mundial do Holocausto, data criada pela ONU tarde, muito tarde, para homenagear e relembrar os seis milhões de judeus que foram sumariamente assassinados durante a Segunda Guerra Mundial, há mais de sessenta anos. Em Israel existe o dia nacional do Holocausto, Yom haShoá, comemorado com uma sirene que cala e paralisa cada um dos cidadãos do país.

O dia mundial do Holocausto não fez barulho por aqui. A única coisa que eu pessoalmente vi em referência à data foi uma vela acesa sobre uma mesa coberta com um pano preto no lobby do hotel onde eu trabalho. De resto, não se falou, não se escutou e, como acontece no Yom haShoá, ninguém parou para homenagear os ancestrais de boa parte da população. O 25 de janeiro da ONU passou em brancas nuvens.

Mas o assunto do momento em Israel é o processo que o presidente Moshe Katzav enfrenta por uma série de crimes, entre eles o de estupro, o que faz mais barulho e provoca mais indignação. Katzav chegou a sair das manchetes por um tempo mas nesta semana a Procuradoria o considerou culpado.

Em resposta, ele convocou uma coletiva de imprensa para romper o longo silêncio e responder às acusações - nas palavras do presidente, só ele sabe a verdade e todos estão errados. A coletiva foi um festival de quase uma hora de porradas no palanque, caras feias e expressões agressivas e contundentes contra a polícia, contra a Procuradoria e contra a imprensa.

Cercado de jornalistas israelenses e estrangeiros e com o discurso sendo transmitido ao vivo para as casas em todo o país, Katzav arrancou de um comentarista do Canal 2 uma reação nervosa e desmedida - gritos de revolta contra as acusações. Eu estava lá, vi tudo e por acaso gravei em vídeo um trecho da briga.



Como não podia deixar de ser, o assunto virou piada - o vídeo abaixo é ótimo (mas você precisa entender hebraico!)



O resultado foi uma chuva de críticas contra o presidente no cenário político. A população pede a renúncia imediata de Katzav - o que não aconteceu e não deve acontecer, já que ele está afastado temporariamente do cargo por três meses (até quando termina o mandato). Falei a respeito na RFI hoje.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Tel Aviv de moto

(OU: de como pode-se sair de Israel sem usar passaporte)

Tel Aviv é outro país, definitivamente. Fala-se até um outro idioma, que não tem nome específico nem sotaque definido. É um idioma colorido como as ruas, as roupas, os prédios, como o céu da cidade. Da "sin city", como eu gosto de chamar. E se Tel Aviv tem cheiro de pecado, é pra lá que eu vou. E eu fui. E fui de moto - que se cometemos um pecado, que ele seja com vento na cara...!

Passei dois dias e meio em Tel Aviv depois de muito tempo sem sair de Jerusalém. Caramba. Chegar de moto, perder-se entre as ruas cercadas de prédios que arranham o céu azulado com nuvens brancas e um sol que... putz! Esse sol de inverno que aquece mesmo. A sensação é magnífica. Sabe, magnífica? Assim. Vento na cara, aquele vento com cheiro de maresia, com poesia de cidade grande...

E tem a praia, e tem o mar, e tem as pessoas circulando sem pressa, desfilando roupas coloridas - diferente do preto ortodoxo de Jerusalém, e do preto invernal de Jerusalém. Tem muita gente. Uma festa em plenos dias quentes de inverno. Sair de casa é regra. Nem que seja para ir até o supermercado na esquina (toda esquina tem um supermercado) e aproveitar para passear o cachorro branquinho de pompom no rabo.

E Tel Aviv tem muita moto. Não é como Madrid, ou como Barcelona, claro. Mas nem é como Jerusalém. Moto em cada esquina, em cada calçada, em cada cruzamento umas quatro, cinco, esperando bem na frente dos carros o verde reluzente permitir o ronrom e o disparar das muitas duas rodas. Cultura de motos diferente, até um certo respeito pelo motoqueiro que em Jerusalém não existe.

Estive dois dias e meio em Tel Aviv - e pela primeira vez voltei com a sensação de que eu devo morar lá alguma vez. É aquela história do filme Sunscreen, que todos conhecem: live in Jerusalem once, but leave it before it makes you too hard; live in Tel Aviv once, but leave it before it makes you too soft. Voltei de Tel Aviv too soft. E estou amando isso. Fez bem - especialmente porque vi gente que andava desaparecida da minha vidinha.

Próxima oportunidade, escapo de novo pra lá. Quando der, vou de vez (se é que existe essa coisa de "de vez"), para morar!