quarta-feira, agosto 23, 2006

... e quem perdeu a guerra?

Se a questão é mesmo essa - quem ganhou a guerra - o escritor israelense David Grossman dá uma resposta à altura*. Uma das personalidades de destaque em Israel, autor de diversos livros e conhecido pacifista, Grossman é pai de um dos soldados mortos durante os conflitos que se desenrolaram no sul do Líbano nos dias que antecederam o cessar-fogo. O texto, publicado no francês Le Monde, é uma carta ao filho. No mínimo, dá a noção de quão humana é a guerra. Um trecho: Você dizia que caso houvesse uma criança no carro que você acabava de deter, você tentava antes de tudo tranqüilizá-lo e fazê-lo rir. E você se lembrava (...) do medo que você lhe causava, e do quanto ele o detestava, com razão. Contudo, você fazia todo o possível para tornar-lhe mais fácil aquele momento terrível, enquanto você cumpria o seu dever, sem compromisso.

E sobre o Líbano, algumas poucas linhas, que eu reproduzo aqui sem o nome do autor, atendendo a pedidos. O que ele disse me emocionou em especial e chamou minha atenção. Para quem acha que o país foi totalmente destruído, como a mídia tendenciosa ensina, vale ler e reler. O autor vive em Beirute e dá uma noção do pós-guerra. Vai na íntegra, exatamente como veio: Obrigado pela mensagem. Passamos por mais uma guerra e esperamos que não retorne, pois a situação ainda é delicada. Quanto a nós, residimos em bairro que não era zona de combate, foi especificamente bairros xiítas, escutávamos todos os aviões e bombardeios, mas estamos bem, onde não havia bombardeio a vida está correndo normal, este é o Líbano. Com o cessar-fogo dia 13 passado logo em seguida começaram a limpar as ruas e o país está voltando ao normal, nova reconstrução. Novamente obrigado e um grande abraço.

[*] Texto exclusivo para assinantes UOL. Se você quer ler o texto mas não pôde acessar, deixe um comentário com o seu email e eu envio assim que possível.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Quem ganhou a guerra?

A pergunta do momento é quem, afinal, ganhou a guerra. Não tanto porque isso realmente importa, mas porque ficou a sensação de que o conflito entre Israel e Hizballah terminou sem vencedores. Apesar de os dois lados cantarem vitória, a verdade é que nem os soldados israelenses nem os membros do grupo libanês têm razões suficientes para erguer o punho fechado.

Pior: os israelenses que voltaram do campo de batalha no sul do Líbano estão contando por aqui, de volta em casa para uma folga que não deve durar muito tempo, coisas que a mídia israelense não cobriu, que os jornalistas estrangeiros não disseram, algumas a que sequer os blogs tiveram acesso - como por exemplo o fato de que muitas vezes eles avançavam sem ter um objetivo definido, sem saber o que deveriam fazer exatamente.

Existe em Israel agora uma sensação muito forte de que o país saiu perdedor. Não apenas pelo número altíssimo de soldados mortos em um conflito relativamente curto contra um grupo terrorista (e não um Exército constituído, como aconteceu em outras guerras), mas também pelo fato de que sabe-se muito bem que o objetivo da guerra - acabar com o Hizballah - não foi nem de longe atingido.

Não acho que isso, sozinho, seja sinal de que o Hizballah tenha saído vencedor, por outro lado. Não é. Mas se os fundamentalistas do Nasrallah lançaram 4 mil mísseis contra Israel, e a Inteligência daqui falava em um arsenal de 12 mil mísseis antes do conflito, faltam ainda 8 mil, apontados para cá. Mais: o Hizballah insiste que não vai se desarmar, uma das condições da resolução 1701, a mesma que impôs o cessar-fogo.

E aí, como é que fica? Politicamente, existe o entendimento de que se Israel não voltar à guerra, o governo de Olmert pode cair. E se cair, cai com razão, porque arrastou o país para um conflito que teve mais contras do que prós. Matou e feriu muitos civis, expôs soldados a perigos excessivos e não conseguiu abalar o Hizballah a ponto de diminuir a ameaça que representa.

Estrategicamente, por outro lado, se Israel voltar para o combate as coisas terão que ser diferentes - ouvi essa semana de um oficial da Inteligência que essa guerra foi, sozinha, diferente de todas as outras. Os ataques deverão ser intensos contra o Hizballah, mas devem evitar atingir civis - de fato os grandes perdedores dessa guerra foram o Líbano e o povo libanês.

Israel precisa aprender como lidar com um grupo que se esconde entre civis para atacar os civis do outro lado. É o desafio que se impôs ao "quarto exército mais poderoso do mundo" com essa guerra. E não é o único. Quem ganhou a guerra, afinal? Eu conto quando a guerra acabar, de fato.

[ÁUDIO] Falei sobre esse mesmo assunto na RFI, aqui. Todas as entradas aqui.
[OPINIÃO]
Uma "vitória" do Hizballah?, de Bernard Haykel, aqui

terça-feira, agosto 15, 2006

Guerra de propaganda

Começou a valer o cessar-fogo da ONU. Nas palavras da imprensa local, estamos vivendo uma "tranqüilidade tensa". Aqui em Jerusalém, da mesma forma como não se sentia a guerra, não se sente o fim das hostilidades, a não ser nos comentários comuns em conversas com taxistas e na rua.

Uma coisa nesse momento me chama especialmente a atenção - a nova guerra de propaganda que está acontecendo desde a assinatura do cessar-fogo. Israel e o Hizballah abaixaram as armas mas não abriram mão das estratégias de propaganda.

Já cansamos de ver imagens de folhetos caindo sobre o Líbano, nos quais Israel culpa o Hizballah pelos danos causados às cidades, agora que a população está voltando ao sul do país. Nos folhetos aparece o líder do Hizballah, Hassan Nasrallah, e inscrições em árabe explicando que ele, com o seqüestro dos soldados, provocou a guerra.

Por outro lado, o Hizballah faz a sua propaganda, cantando vitória em uma guerra que não terminou com vitoriosos, mas foi interrompida por um cessar-fogo imposto pelas Nações Unidas com a resolução 1701. As ruas de Beirute estão cheias de pessoas distribuindo chá e doces em sinal de vitória do Hizballah.

Agora é assim. Os libaneses voltam para o sul, os israelenses voltam para o norte. As populações saem dos abrigos e a rotina deve lentamente voltar ao normal. Fica apenas a pergunta: que tipo de cessar-fogo é esse e quanto tempo ele vai durar?

sábado, agosto 12, 2006

Uma resolução, enfim

O Conselho de Segurança da ONU aprovou uma resolução, de número 1701, com base no que foi rabiscado há uma semana. O texto pede o fim dos confrontos entre Israel e o Hizballah e a retirada das tropas israelenses do Líbano. Estou acompanhando as reações e depois escrevo por aqui. Mas tanto o premiê libanês, Fuad Siniora, como o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, já anunciaram que vão adotar os termos aprovados pelas Nações Unidas. Na teoria, assinaturas. Na prática, é esperar para ver.

[MAIS] Leia os principais pontos e a íntegra da resolução 1701 da ONU.
[ANALISANDO] Textos que valem a leitura, sobre a resolução: Not so bad in theory. An unmitigated disaster, UN resolution meets gov't goals, How to cease the fire.
[CONTAGEM] E hoje a guerra entre o Hizballah e Israel completa um mês.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Uma análise

É o velho papo: se um judeu fala por Israel, é tendencioso; se um árabe critica Israel, é óbvio. Por isso, vale ler a coluna de Ali Kamel, de origem árabe. Ele não fala por Israel e nem critica o Estado judeu. Faz apenas uma análise limpa e embasada sobre o ciclo dos acontecimentos no Oriente Médio. Infelizmente, parece estar certo até nas previsões.

domingo, agosto 06, 2006

Rabiscando um cessar-fogo

Ontem, sábado, a ONU desenhou uma proposta de cessar-fogo para o conflito entre Israel e o Hizballah, que já se arrasta por quase um mês. Estados Unidos e França chegaram a um acordo sobre a proposta. Mas hoje de manhã, ao ler a reação dos dois lados, não pude deixar de pensar numa frase do Abba Eban que ficou famosa.

O embaixador israelense nos Estados Unidos e na ONU dizia que os árabes nunca perdem uma oportunidade de perder uma oportunidade. Fato. Em 1947, quando a ONU dividiu a Palestina britânica em dois, os judeus aceitaram e os árabes não. Conclusão: 58 anos depois, existe Israel, mas ainda não existe Palestina.

Com o cessar-fogo rabiscado ontem, idem. Os líderes do Hizballah e da Liga Árabe, em contraste ao governo israelense, recusaram as condições do documento. Pudera. A proposta da ONU prevê que as tropas de Israel continuem no sul do Líbano até a chegada das forças internacionais.

De novo, os esforços diplomáticos podem descer pelo ralo.

Falei a respeito do assunto na RFI ontem. Eu dizia que propostas de cessar-fogo encontram forte resistência em Israel. E continuei: "existe por aqui o entendimento de que um cessar-fogo imediato e imposto pela comunidade internacional é um mau cessar-fogo. A região precisa de um acordo abrangente e durável, que consiga afastar a ameaça do Hizballah da fronteira entre Israel e o Líbano e ao mesmo tempo pressionar a Síria e o Irã a não rearmar o grupo libanês. Existe a necessidade de colocar o governo de Beirute de volta ao controle do Líbano".

[ALMA DO NEGÓCIO] E uma guerra não se faz apenas com mísseis. Imagens e slogans são parte da realidade de guerra. O Bean e a Daniela já contaram, mas eu faço questão de relembrar aqui que já virou "moda" colar nos vidros dos carros adesivos com inscrições otimistas e de incentivo. O que eu vejo mais freqüentemente, feita pelo banco Leumi ("nacional") diz "Nós venceremos", esse. Em diversas cidades outdoors como esses estampam os dizeres "Israel é forte". Tudo para não deixar o ânimo da população cair - outra coisa sobre a qual falei ontem na RFI. A população está impaciente e querendo uma resolução para o conflito.
[DEPOIMENTO] A Nathy contou um pouco do clima lá no norte. A família adotiva dela recebeu alguns parentes que moram em Carmiel e estavam em abrigos. E ela ouviu deles o relato do dia a dia de medo e tensão na guerra, aqui.
[INDO LONGE] Vale lembrar que nos últimos dias mísseis do Hizballah chegaram até Hedera, o ponto mais ao sul já atingido pelo grupo libanês. E vale dizer que a Hedera fica a poucos quilômetros do norte de Netania, cidade onde moram meu pai e meu irmão. E o Nasrallah já prometeu atingir Tel Aviv, que fica bem mais ao sul... E, bom, nem a cidade onde moram minha mãe e minha irmã, Campinas, está de fora dessa briga - ontem a sinagoga de lá foi atacada.
[ENQUANTO ISSO] Ontem à noite mais um atentado terrorista foi frustrado depois que uma mulher foi presa com explosivos. E o Irã anunciou que vai expandir as atividades nucleares...

terça-feira, agosto 01, 2006

"Fazendo a coisa certa"

"Se você pudesse, estaria sentado aqui ao meu lado agora,
porque você sabe que estamos fazendo a coisa certa"
Dan Gillerman, embaixador de Israel na ONU


As pessoas me perguntam, afinal, qual é que é a dessa guerra. Difícil mesmo entender que uma guerra pode ter razões que, só pelo conceito, se presumem racionais. Mas a ameaça que o Hizballah representa para Israel (e a ameaça que o terrorismo representa para o mundo) precisa ser combatida. Não defendo aqui nenhuma ação específica de Israel e definitivamente não escolhi hoje, um dia depois do infeliz ataque à Qana, para escrever sobre isso.

Acontece que só hoje, e só por acaso, achei o vídeo abaixo. Na minha opinião, o discurso do embaixador israelense na ONU logo nos primeiros dias da crise é o mais significativo de todo esse enrolo - por isso, e só por isso, reproduzo aqui. Acho que o Gillerman, em uma mensagem para o embaixador libanês, resume bem a razão dessa guerra. E ele tem razão quando diz a frase que abre o post.

Hoje, quando o premiê Olmert disse que não vai haver cessar-fogo agora, as palavras do Gillerman ressoam e explicam a posição de Israel. Olmert, in a speech in Tel Aviv (...) broadcast both on radio and television, said there were "still many days of fighting ahead of us. Missiles and rockets will continue to land, and hours of fear, uncertainty and yes - even pain, tears and blood - are still expected."

Tem muito pra ser dito, mas eu prefiro deixar que fale o Gillerman.



[ONU] Se o vídeo não funcionar, a íntegra do discurso de Gilerman está aqui.