sexta-feira, maio 26, 2006

Capital eterna e dividida

Jerusalém. Capital eterna e indivisível do Estado de Israel. Isso mesmo? Deveria ser, de acordo com a tradição popular judaica. A frase é tão consagrada que o título do post parece heresia.
Mas não é. Quem conhece bem esta cidade, sabe que ela não só é divisível como já foi dividida, como as cidades brasileiras nas quais vivem os poucos, mas estimados, leitores deste blog!
Ok, hoje comemoramos por aqui 39 anos desde a reunificação da cidade, durante a Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967 (a data se refere ao calendário judaico). No caminho para o trabalho vi fogos de artifício colorindo a muralha da Cidade Velha, lindo! Mas o fato é que Jerusalém é cidade dividida.

Como nas cidades brasileiras, aqui há lugares onde não se vai, apesar da sensação generalizada de segurança. Não sei vai por ser judeu ou por ser muçulmano. Não se vai por usar kipá ou kfia. Não se vai por medo, o simples medo de não pertencer, de destoar, de ser diferente em uma terra de diferenças.

E Jerusalém não é só aquela cujo nome aparece nos livros sagrados das religiões que insistem em ser parecidas no monoteísmo delas, apesar das diferenças. A cidade de ouro, cujas muralhas brilham nesta época do ano com o sol, tem divisões até no transporte coletivo. Ironia? No lugar em que estatisticamente mais terrorismo acontece no mundo, árabes e judeus têm linhas de ônibus independentes.

O traçado da Cerca de Segurança que rasga Jerusalém divide a cidade dela mesma. Quem pára perto da Cinemateca antes do anoitecer consegue notar não muito longe dali, depois do vale, o muro de 7 metros de altura que divide o cá do lá. Um risco tortuoso e cinza na cidade sagrada para tanta gente. Jerusalém é também a cidade na qual em alguns ônibus os homens se sentam à frente e as mulheres na parte do fundo.

A Cidade Velha, ela mesma, é território dividido, em quatro. Divisões que se entrelaçam. Os bairros são testemunhas de gente que não pertence a eles. Judeus desfilam seus ternos e chapéus pretos nas ruas com nomes árabes ou armênios. Kfias vermelhas ou pretas passeiam por esquinas do bairro judeu. Todos visitam o "quarto" cristão...


Tem uma frase interessante, que eu cito de memória, de um autor de quem não me lembro o nome agora. Jerusalém é um local esquisito: é o único local onde árabes muçulmanos vestindo trajes tradicionais vendem símbolos cristãos a peregrinos do mundo todo em troca de uma nota de dinheiro que estampa a imagem de um rabino... No final das contas a cidade dividida une religiões, une fés, une povos separados pelas diferenças.

Mas a notícia do dia por aqui foi outra, como o Pedro Doria comentou lá no NoMínimo.

[CLICK] As fotos, que não são minhas, apresentam algumas facetas da Jerusalém dividida.
[NOMÍNIMO] Entendi a razão de tantos comentários nesse post - o mesmo Pedro Doria falou do assunto e linkou o 23a idade lá no NoMínimo. Embora não concordemos na polêmica "unificação x tomada", gostei de ver o 23a em um dos sites que leio todos os dias!

quarta-feira, maio 24, 2006

Suco de laranja grátis *

this is an audio post - click to play
Eu sei que a gravação ficou péssima, até achei que não tinha entrado aqui. Mas o que eu conto é que estavam distribuindo suco de laranja (a laranja é uma espécia de símbolo de Israel) pelo dia de Jerusalém na kikar Tzion, um dos lugares mais movimentados de Jerusalém. Contava também que a cidade está ficando de novo cheia de turistas porque o calor está chegando e o período de férias também! Foi isso!

Quer ver o que eu vi? Aqui o sujeito com o microfone, fazendo a barulheira que vocês ouviram. E aqui tem até um ortodoxo na fila para o suco! Tem outra, aqui, do pessoal se esmagando para pegar o suco!

sexta-feira, maio 19, 2006

Confusão na Faixa de Gaza

Rolou tiroteio em Gaza ontem à noite por causa dos conflitos entre a polícia da Fatah, do presidente Abu Mazen, da Autoridade Palestina, e a "Unidade de Apoio", nome das forças de segurança que o Hamas decidiu colocar nas ruas. Falei a respeito na RFI hoje cedo. Contei também que a ministra israelense de Exterior vai se encontrar com o Mazen no domingo, mesmo dia em que o premiê Ehud Olmert viaja para os EUA. Para ouvir, aqui.

[MAIS] Outras entradas minhas na RFI aqui.

segunda-feira, maio 15, 2006

Cheiro de feriado...

Alguns feriados aqui têm um cheiro especial, próprio, característico. É o caso de Yom haAtzmaut, o dia da Independência. Como o país inteiro faz churrascos, embora a maioria das pessoas em geral não se preocupe necessariamente com o significado da data, o cheiro de carne assando na grelha se espalha pelo ar. Meu irmão, que tem quatro anos, semana passada comentou - em hebraico, claro! - quando íamos para o tradicional al ha esh (churrasco) que o cheiro de carne era forte!

Hoje é Lag baOmer, dia de acender fogueiras! E é outro dos feriados com cheiro característico. Abri a janela para ver se estava frio (já, já estou saindo para o trabalho) e senti cheiro de fumaça no ar! Tinha até esquecido que é Lag baOmer...! Em Israel é assim: a lua, os cheiros, a decoração... tudo faz lembrar o que comemoramos naquela data.

E na minha São Paulo, a fumaça vem dos ônibus queimados, não de fogueiras comemorativas. Ainda estou boquiaberto diante da CNN, que passou sem parar as imagens do caos no Brasil (só assim o país pode aparecer por lá, né?!) Mas não pude deixar de reparar na imagem em que aparece, em uma cadeia, a inscrição "Feliz dia das mães" rabiscada em uma parede. Ê, povo.

domingo, maio 14, 2006

Mas não com essa farda...

Agora é oficial: não vou mais servir nas Forças de Defesa de Israel como estava previsto desde 2004, quando eu cheguei. Explico: existe uma lei nova, de acordo com a qual quem tem que servir apenas por 3 meses (é o meu caso, porque tinha 25 anos ao chegar) pode escolher entre pedir a dispensa ou servir por um semestre. Tive que dar uns berros para descobrir isso, mas funcionou.

Minha opção foi a primeira. Assinei no dia 10 de abril um documento pedindo dispensa e explicando que já sou muito velho (27 anos, quando os israelenses entram aos 18!), sou formado e tenho trabalho. São razões suficientes para que a Tzahal - que não tem dinheiro para manter um soldado que não vai fazer nada em três meses - me dispensar.
E foi o que aconteceu. Semana passada um telefonema me acordou no meio da tarde e uma soldada, que deve ter dez anos menos que eu, explicou que o serviço estava cancelado. Prometeram que mandariam uma carta avisando das minhas desobrigações militares, mas até agora não chegou nada. E, para quem não sabe, eu deveria ir para o front hoje, como o Carlinhos e o Fábio!

Pode ser que alguém esteja aí se perguntando o que me levou a pedir a dispensa em vez de servir. Eu mesmo saí do escritório de recrutamento me fazendo essa pergunta para só depois me convencer de que tinha feito a coisa certa. O negócio é que já não tenho mais idade e disposição para "trancar" minha vida durante três meses e brincar de ser soldado.

Além disso, outras duas razões, bem práticas. Uma é que eu passaria a ganhar 5% do que eu ganho hoje trabalhando. Outra que, no final das contas, um orgulho jornalístico e essa coisa de achar que a gente pode ser neutro e objetivo falaram mais alto. Agora, então, é oficial: vou lutar mas não com a farda verde-musgo.

Enfim, como tem gente que não escapou, vamos mandar pizza e hambúrguer para eles!

Este post é dedicado à Dé Blatt, que deu a dica: só mesmo armando barraco e batendo o pé em bom e alto hebraico para ser escutado por aqui. Funcionou, e agora posso lutar com outras fardas e outras armas. Vai também para a minha mãe, não só porque hoje é Dia das Mães, mas porque sei quanto é importante para ela me ver longe de armas.

quarta-feira, maio 10, 2006

O orkut dos kibutzim

Só quem já esteve em um kibutz sabe bem - é uma experiência única. Os seis meses que passei em En Dor, no norte de Israel, perto da pacata cidade de Afula, entre abril e outubro de 2002, meses quentes, foram inesquecíveis.

Imagina só: calor, uma piscina gigante, um trabalho que era mais farra do que trabalho, gente do mundo todo, aulas de hebraico a cada dois dias, e... um país inteiro ali ao lado pra conhecer, pra se aventurar - mesmo no pior ano da intifada. Foi assim. Dá saudade.

E aí uma amiga minha, que aliás aniversariou ontem, me contou de um site que é uma espécie de orkut para quem já viveu em kibutzim. Infelizmente é pouco divulgado (quer dar uma força?) e tem muita gente que nem sabe da existência. Mas quem já passou por algum kibutz - qualquer um dos mais de duzentos, pode se cadastrar lá e tentar, com sorte (porque o site não é popular como o orkut, na verdade), achar outras pessoas daqueles dias inesquecíveis.

O site, Kibbutz Reloaded, foi criado por dois loucos - um inglês e um israelense. O inglês, Victor Kremer, conta no perfil dele lá no site que durante o tempo que passou em dois kibutzim, ambos no Negev, ordenhou 270 mil vacas e fumou 426 maços de Noblesse, um dos cigarros mais baratos daqui! O outro, Uzi Dor, nasceu em um kibutz e diz que só nos pesadelos dele os kibutzim aparecem...!

Enfim, fica a dica. Se você já morou em um kibutz, entra lá. Se conhece alguém que morou em um, conta pra ele.

[MAIS] Quer voluntariar em um kibutz você também? Aqui tem informações, em inglês. E essa agência, no Brasil, faz todo o trabalho por você.

sexta-feira, maio 05, 2006

Ligação direta...

Mais uma foto da série "coisas que só em Israel"! Essa eu tirei no Kotel, o Muro das Lamentações, num dia de semana, em que se pode usar celular (e fotografar!) por lá! Fui depositar um petek (bilhetinho) no Muro - atendendo a pedidos - e o sujeito ao lado estava rezando conectado com o mundo! Vale dizer que Israel é um dos países com maior número de telefones celulares per capita! Tem gente que carrega até três! Não existe viagem de ônibus sem pelo menos uma pessoa falando no celular. Crianças têm um aparelho desde cedo... É sem dúvida o melhor amigo do israelense!

[ORKUT] Na comunidade do blog, outras fotos das esquisitices de Israel!

segunda-feira, maio 01, 2006

Memória, independência, do-contras

Feliz dia do Trabalho. Por aqui, não comemoramos a data (o que significa que sim trabalhamos!) Mas outro feriado se aproxima. Quarta-feira é Yom haAtzmaut, dia da Independência e do aniverário de 58 anos de Israel. O país está pintado de azul e branco, como mostram as fotos que eu tirei em Jerusalém durante a semana passada. Clima de aniversário!

Mesmo assim, o espírito nesse dia do Trabalhador é de tristeza e lembrança dos soldados e civis israelenses mortos em guerras e atentados. Começou o Yom haZikaron, outra data morna, em que ouve-se duas sirenes (na foto, durante a sirene desta noite, os motoristas páram os carros e ficam de pé ao lado, no meio de uma rodovia), realiza-se atos memoriais por todo o país e se percebe um tom de luto que acaba na primeira estrela de amanhã, terça. Depois, shows em diversas cidades para comemorar e espairecer.

Dia da Independência é também dia de estatísticas e de saber quantos são os israelenses. De acordo com a última contagem do Escritório Central de Estatísticas, são sete milhões de cidadãos, dos quais 76 por cento são judeus e 20 por cento, árabes. Significa que há em torno de 5 milhões e trezentos mil judeus vivendo ao lado de 1,4 milhão de árabes. E no ano passado 21 mil novos imigrantes chegaram a Israel.

Claro que também aqui existem os do-contra. À noite, enquanto o país via diante da televisão programas monotemáticos, ortodoxos em Jerusalém insultavam a memória dos soldados mortos. A polícia foi chamada, relatou a manifestação como "muito séria", mas não prendeu ninguém. Dá uma olhada.

É o absurdo da nação... Há quem diga que por culpa de atitudes assim os problemas mais graves de Israel são os internos, e não os que o país tem com os palestinos ou os países árabes. Como o Bean mostrou semana passada, esses ortodoxos penduraram cartazes com dizerem como "Sionistas são cães", "Cuidado! Sionistas mordem" e "A besta sionista não é humana". E são judeus...

[UPDATE] Perguntei a uma amiga minha afinal qual o sentimento dela, como israelense, diante do Yom haAtzmaut. A resposta foi surpreendente. O Yom haZikaron fala a ela muito mais forte e muito mais ao coração do que o dia da Independência. Ela me contou que hoje à noite vai a uma festa em Haifa, onde vive, e que não se pensa na data com o significado que ela tem.

Na verdade, ela me disse que ficou bolada com a minha pergunta (mandei pelo celular uma mensagem questionando qual o sentimento dela nesta data, sendo israelense). Ficou triste por se dar conta de que o real significado acaba esquecido, perdido. E explicou que a sirene de Yom haZikaron a emociona muito.

Não é por menos. Todo israelense conhece alguém que foi morto em algum atentado ou alguma guerra. Mais: todo israelense conhece algum soldado ou já foi um. Resultado: falar de memória aos caídos é muito mais próximo deles do que falar em independência. Yom haAtzmaut é só dia de festa!

Mor, here you have it, in Hebrew!

[OUTRO UPDATE] Só hoje consegui contar minha emoção com a sirene.

Este post, escrito durante uma madrugada de telemarketing e reflexão, vai para os 22.123 civis e soldados israelenses que morreram em guerras e em atentados. É essa multidão que o país pára para homenagear no Yom haZikaron.

Atualizei meu flog com uma foto relacionada ao tema deste post, aqui.